24 março 2008

No Teu Poema

Num País Chamado Simone, o meu ouvido foi presenteado com o cantar sentido deste poema:

No teu poema
existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira, um céu aberto,
janela debruçada para a vida.
No teu poema existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura
e, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaço
do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha.
No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varina
e um barco assoprado a todo o pano.
Existe um rio
o canto em vozes juntas, vozes certas,
canção de uma só letra
e um só destino a embarcar,
o cais da nova nau das Descobertas.
Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda escapa
e um verso em branco à espera de futuro.

(José Luís Tinoco)

20 março 2008

Lado A Lado


Sob estas linhas, escreve-te aquele que carrega o mesmo nome do que tu. O meu passado é uma memória no teu presente, respectivamente o meu futuro.
Hoje fico-me pelas palavras, claustros da idealização de uma sociedade perfeita. O amanhã não passa de um poema impresso em tinta de sonhos…
Mantém-te fiel a mim, fiel a ti. Quando o tempo me esvazia, caminhamos lado a lado e eu vivo em ti. Há, pois, em mim mais quem viva.

16 março 2008

Solidão

A solidão é o refúgio de nós próprios quando isolados do mundo. À medida que os minutos passam, somam-se horas de solidão, horas que tornam a noite uma extensão do dia e o dia uma extensão da noite.
O silêncio governa a minha vida, cheia de nada, repleta de vazio. Ao meu redor não existe ninguém, apenas a túnica que me envolve. Na verdade, quem a ultrapassara não me preenche; já nem esses me conhecem...
A preguiça é inimiga do trabalho, minha inimiga chegada: sinto vontade de me evadir, mas preguiça de o fazer. Porque me acomodo a ter, mesmo sem ter ninguém.
Só me quero a mim. Porque me preencho. Porque me basto. Ou então não. Ou então tento bastar-me, já que não encontro quem me valha, quem esteja lá para mim, única e exclusivamente para mim...
É na solidão que escrevo (por não poder falar). Porque a televisão não me distrai. Porque a Internet é feita de contactos. Porque é a caneta que mais me escuta, mais me entende. Talvez porque não fale, porque se limite a marcar o que desenho. Talvez porque é minha escrava.
Eu não procuro um escravo, apenas um amigo presente, um amor verdadeiro, alguém que me faça redefinir o termo solidão...



Eu sei
A tua vida foi
Marcada pela dor de não saber aonde dói
Mas vê bem
Não houve à luz do dia
Quem não tenha provado
O travo amargo da melancolia

Dizes que eu dou só por gostar
Pois vou dar-te a provar
O travo amargo da solidão

É só mais um dia mau...

(Ornatos Violeta)

04 março 2008

A Carta Que Nunca Te Escrevi

Quando as pautas se tornam insuficientes, escrevo-te sem nunca te escrever. Porque nunca me lerás. Porque as palavras teimam em escapar-me e esconder-se naquele recanto de mim que nem eu conheço.
Nesse recanto sou teu. O meu corpo só reage ao teu estímulo, só tu me tocas com as mãos da alma, só tu te enroscas a mim de forma a não se saber onde um começa e o outro termina.
Fizeste-me feliz, extremamente feliz. Fizeste-me acreditar no amor, que tudo é possível. Contudo, fizeste-me compreender que tudo depende de nós e tu não quiseste...
Preciso escrever-te para apagar a agonia da minha boca quando não tem a tua. Atrás de uma porta, à revelia de quem passa.
Porquê? Inventa uma desculpa que eu caio, deixo-me cair... Nem que seja para te ter e pensar que é só para mim.
A distância não é a culpada, tu é que a utilizaste como arma e me feriste... A chaga permanece aberta, à espera que venhas curá-la (ou que a deixes apodrecer).
Nunca te disse que te amo, mas amei. Amei com medo de ter sentimentos pelo telefone, com medo de amar sem conhecer o que amo. Porque te amei e não sei quem és. Quando te lembras de mim, a cada noite, sou especial? Sou a tua rotina? Quando me escondes a tua vida, sou um protegido? Sou um estranho?
A vida é completamente sugada por responsabilidades: enquanto tu cresces, eu afasto-me. Cada dia que corre dou um passo na direcção contrária a ti. Até não me fazeres falta, até te amar enquanto és meu, até te amar sem me fazeres falta.
Hoje não nos sinto ligados: sou teu e, em certa medida, és meu. Amo-te sem te amar, assim como te escrevo sem te escrever. A vida é na medida em que a criamos. Criei-a assim.
O recanto de que te falei sou eu todo. Este que te ama sem te amar, que te escreve sem te escrever, que tem saudades sem precisar de ti.