21 fevereiro 2012

Trespasse

Nunca te agradeci e talvez devesse. Pelo amor, pelo prazer, pela partilha, pela vivência.
Recordo-me de alguém dizer que jamais farias uma pessoa feliz e de eu pensar quão equivocado esse alguém estava. Afinal, conjugando as vogais e as consoantes, foste tu quem me adestrou o termo felicidade.
Com o tempo aprendi que vieste para ficar. E ficaste. Não há um único dia que cesse sem que eu me lembre de ti. Se não existisses, não teria o sótão da memória repleto de verbos de amor e recordações, repleto de devaneios perpassados… No fundo, entre as inquietações e os pressupostos, és o refúgio que eu demando a todo o instante.
Ainda agora gostava de poder dizer que te amo, mas pronunciá-lo em voz alta é difícil, extremamente difícil... Não se trata de te conquistar ou forçar o sentimento. É apenas uma vontade tão profunda quanto a própria vida e um nó de tal forma apertado que adquire um vínculo insubstituível.
Além disso, creio que o destino, ou qualquer outra entidade, teceu as nossas vidas como duas fiadas num só novelo de lã... E um trespasse assim tem de ser eterno.
Não pretendo soar mais do que aquilo que sou, um parágrafo anacrónico no teu modo de vida errante. Contudo, no meu íntimo, não és apenas mais um capítulo: és cada um dos livros, linha por linha, que eu insisto em escrever para ti…
Assim moldei a nossa livraria, encadernando-a com a réstia de esperança de narrações antigas e de outras tantas por desvendar... Confesso que, em certa ocasião, por força da solidão e do afastamento, ponderei cerrar a porta e trespassar o negócio por um único preço: a reconquista da tal felicidade adestrada.
Porém, hoje sei que a pessoa para quem escrevo ainda existe e que não é tarde demais para o agradecimento. Posto isto, obrigado.