11 dezembro 2010

Silêncio


Há uma altura em que deixamos de ser poetas. Não por falta de inspiração ou preguiça, mas por haver palavras a mais a serem escritas e pouco espaço livre no universo no meio de tanto desespero por algo profundo. Todos passamos por lá, uns mais tarde que outros: a altura de dar sentido ao percurso. E se o percurso não tem sentido, inventa-se! Há uma altura em que todos querem ser poetas, há uma altura em que temos que deixar o barulho serenar.

(Tiago Bettencourt)

24 setembro 2010

O Tempo

Irreversível e limitado, versátil e controlador. O tempo é o afazer agendado para quanto antes, o verbo amachucado entre parêntesis rectos.
Em conceito, é simultaneamente passado e futuro, presente. O que vivi e irei viver, o pouco que vivo contigo. Dia-a-dia convivo com a tua ausência; o teu enleio é o prazo de um beijo, o teu olhar o disparo de uma bala, a tua demora a síncope que me preenche o peito.
O inverso do tempo é a eternidade, o amor soprado na indefinição do imensurável sem início nem fim. Anseio ser a brisa que modifica o tempo, caminhar entre nuvens de climas transcorridos, ser o sol da manhã de outro período.
O meu coração é um relógio de roscas e roldanas, sinto-o tiquetaquear dentro de mim. Os anos, os meses, os dias, as horas. Não conto minutos nem segundos por necessitar de ti…
O tempo gerou-se da espera e a espera do início de todos os tempos. Até o éden se deteve enquanto Eva mordia a maçã. Tal pecado ergueu tantos e tantos outros – és o meu fruto proibido.
Se não deténs o tempo, tampouco o farei eu. Por muito que me fira e doa. Contudo, ainda creio no dia em que ensinaremos o tempo (e o sentimento) a quedar-se na eternidade…

(Ilustração de Rosário Pinheiro)

26 agosto 2010

Fill It With Work


Katherine: Get up. When did this start?
Bree: When Orson left, I began having a glass of white wine now and then. Then, when Danielle took Benjamin, I didn't see any reason to stop at just one...
Katherine: So is this why you missed the lunch last week and the braverman bar mitzvah?
Bree: I can't help myself, all right?! My husband's gone. My son's gone. I have nothing left.
Katherine: No, actually, you have a lunch for 40 in 3 hours and I'm not letting you out of it.
Bree: Oh, Katherine, please...
Katherine: Okay, so you have a void in your life. Welcome to the club. Don't fill it with wine. Fill it with work, with accomplishments. Just think about the woman you could be by the time Orson gets back. Or is this the woman you want him to come home to?
Bree: He's gonna be so ashamed of me...
Katherine: No, he won't, because you're not gonna tell him. You know he'd just blame himself.
Bree: I don't know if I can make it this time.
Katherine: Yes, you will, because I am moving in.
Bree: You would do that?
Katherine: When I had nothing, you made me your partner. I'm not gonna forget that. I am gonna get you through this. And when we're done, that scary woman over there [in the mirror] - she's never gonna be seen in this house again...

(Desperate Housewives)

05 agosto 2010

Antes Que Anoiteça

Antes que anoiteça há que pôr-se o sol. Dissolver-se em todas as cores do ocaso e esmorecer lentamente no horizonte até se cingir em nós e nas nossas memórias. Semelhante espectro regressa dia após dia, casualmente nublado por incertezas e desilusões…
Outrora o sol era meu e teu, do seu oriental raio ao mais poente. Cada trilho esbatia o meu passo, cada jornada a cadência de ser teu a qualquer custo. Cada sorriso uma promessa, cada adereço uma forma de te despir, cada refeição um café à luz de ti.
Porém, findou-se-nos o Verão no ventre. Três meses por ano entre grãos de areia e pevides de sandia. Por ora, sobejam-me as algas e o sal na pele, tão olvidada está de te sentir…
Antes que anoiteça (e esqueça) deixa-me dizer que te amo.


The stars, the moon, they have all been blown out,
You left me in the dark.
No dawn, no day, I'm always in this twilight
In the shadow of your heart...

(Welch / Summers, Florence + The Machine)

18 junho 2010

Deste Mundo E Do Outro


Acho que todos nós devemos repensar o que andamos aqui a fazer. Bom é que nos divirtamos, que vamos à praia, à festa, ao futebol, esta vida são dois dias, quem vier atrás que feche a porta – mas se não nos decidirmos a olhar o mundo gravemente, com olhos severos e avaliadores, o mais certo é termos apenas um dia para viver, o mais certo é deixarmos a porta aberta para um vazio infinito de morte, escuridão e malogro.

(José Saramago)

10 maio 2010

Pensei Escrever Coimbra

Pensei escrever amigos em vez de letras e experiências em vez de verbos. Pensei escrever precisamente dezoito frases. Ou mesmo quarenta e três. Pensei escrever o verde do parque e a saudade do penedo. Pensei escrever a cidade alta e a baixa do comércio. Ruas estreitas, pracetas e escadinhas. Pensei escrever o Vale Gemil e o Mosteiro de Celas. Pensei escrever imensos snacks entre refeições. Pensei escrever um auto de Gil Vicente em folhas de hortelã. Pensei escrever mais um conceito feito de vias e noites longas. Pensei escrever Coimbra. Tudo em Coimbra somos nós...


Coimbra é uma lição
De sonho e tradição
E aprende-se a dizer saudade.

(Amália Rodrigues)

09 abril 2010

2 Anos, 730 Dias



Há gente que fica na história
Da história da gente.

(Jorge Fernando)

05 abril 2010

Naturalmente Amigo

Amigo. Cinco letras, cinco braços, cinco dedos de uma mão estendida e de entreajuda.
A natureza, conforme a amizade, constrói-se de partidas e novas metas, nados vivos e velórios, ligações procriadas e sepultadas à tenção da vida.
As nuvens são algodão agridoce, sal açucarado da água que conflui dos rios para o mar. Foz dos dias e das vivências. Um amigo tem de estar, querer estar. Presenciar. Acercar. Acarinhar. Amar. Ar. Evaporar. Dissipar. Espaçar. Retornar.
Estação a estação, as árvores desfolham e amarelam erros que o solo acolhe e o vento arrasta. Amigos também. Na temporada sequente, os troncos são ramos de reconciliações ou achas secas que conservam a lareira inverno a fora. Inverno perene esse. Porém, sobejam amigos persistentes como as árvores de tal folhagem, incessantemente verde e revigorada, sustentando intempéries e a porta de uma entrada única e irrepetível. Muralha onde se ergue um clã.
Nem todos concernem a uma alcateia reunida ao redor de tais árvores, amigas e irmãs, cada uma assente em grãos de terra árida ou enlameada, de lágrimas de desilusão ou desespero. É esta água que nutre as raízes conectadas e suporta a insustentável ramagem da afeição.
Numa floresta de amigos há erva, arbustos e plantas seculares.